Há 40 anos<br>a independência
O povo moçambicano está hoje em festa. A 25 de Junho de 1975, no Estádio da Machava, em Maputo, o então presidente da Frelimo, Samora Machel, proclamava a República Popular de Moçambique. Nascia o primeiro Estado moçambicano da História, culminando uma longa resistência ao colonialismo português e uma década de luta armada de libertação nacional vitoriosa.
Em Moçambique, depois da independência, a governação da Frelimo, dirigida pelo presidente Samora Machel, lançou as bases da organização do novo Estado e do arranque da economia nacional
Os 25 milhões de moçambicanos comemoram hoje 40 anos da independência do seu país. Festejam a liberdade orgulhosos pelo desenvolvimento, confiantes num presente pacífico e cada vez melhor, esperançados num futuro de progresso para todos.
A independência de Moçambique foi conquistada depois de uma prolongada resistência popular contra a dominação e a exploração dos monopólios. Essa resistência culminou com a vitoriosa luta armada de libertação nacional dirigida pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), entre 1964 e 1974, contra o colonialismo português.
As ideias independentistas começaram a germinar anos antes, a partir do final da II Guerra Mundial, entre universitários das colónias africanas que estudavam em Portugal. Jovens como Amílcar Cabral, chegado à Metrópole vindo de Cabo Verde, Agostinho Neto e Mário de Andrade, de Angola, Marcelino dos Santos, de Moçambique, Vasco Cabral, da Guiné, Francisco José Tenreiro, de S. Tomé e Príncipe, e outros. Convivem na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa e Coimbra, ou criam locais de debate e troca de livros, revistas e ideias, como o Centro de Estudos Africanos ou o Club Marítimo Africano, na capital portuguesa.
Alguns desses jovens participam nesses anos, ainda em Portugal, das lutas contra a ditadura salazarista, ao lado de democratas portugueses, em acções organizadas pelo Movimento de Unidade Democrática (MUD) e pelo MUD Juvenil, ou pelo Partido Comunista Português, na clandestinidade.
Influenciados pelas mudanças vertiginosas do seu tempo – a derrota do nazi-fascismo e o enorme prestígio da União Soviética e o avanço do campo socialista, as independências da China e da Índia, as aspirações independentistas em países da Ásia e África, a emergência do Terceiro Mundo –, na década de 50 esses jovens começam a regressar às suas terras ou exilam-se na Europa e em países africanos como Marrocos, e, à medida que conquistam as suas independências, o Gana de Kwame Nkrumah, a Guiné-Conakry de Sékou Touré, a Argélia de Ben Bella…
É nesse contexto que nacionalistas como Marcelino dos Santos, lançam, em 1957, o Movimento Anti-Colonialista (MAC), substituído depois pela Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional (FRAIN) e, em 1961, em Casablanca, pela Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). Os patriotas africanos desde cedo compreenderam que, contra o inimigo comum – o colonialismo português – importava alargar e coordenar a luta em várias frentes. Essa aliança estratégica entre PAIGC, MPLA e Frelimo manter-se-á até às independências, em 1975.
Em 25 de Junho de 1962, em Dar-es-Salam, resultante da união de três grupos nacionalistas, nasce a Frelimo, presidida por Eduardo Mondlane, com a participação, entre muitos outros patriotas moçambicanos, de Marcelino dos Santos.
Perante a obstinação cega do fascismo português – Salazar recusa-se a negociar com os patriotas africanos, a quem chama «terroristas» –, o combate independentista contra o colonialismo intensifica-se a partir dos anos sessenta. A 4 de Fevereiro de 1961 começa a insurreição em Angola, sob a direcção do MPLA. Em Dezembro desse ano, Salazar sofre uma derrota com a libertação, pela Índia, de Goa, Damão e Diu. Em Janeiro de 1963, o PAIGC inicia a luta armada na Guiné. Em 25 de Setembro de 1964 a Frelimo desencadeia a guerra libertadora em Moçambique.
Os principais aliados dos movimentos de libertação nacional foram a URSS, a China e outros estados socialistas, os países africanos progressistas – no caso da Frelimo, em primeiro lugar a Tanzânia e a Zâmbia, vizinhos, mas também a Argélia, o Gana, a Guiné-Conakri –, nações do Terceiro Mundo e o movimento comunista e operário internacional. Em vários países da Europa foram criados comités de apoio à luta dos patriotas africanos e muitos amigos europeus ajudaram – jornalistas, fotógrafos, cineastas, escritores, universitários, políticos –, denunciando os crimes do colonialismo, mobilizando a opinião pública, organizando conferências de solidariedade. Em 1970, uma vitória diplomática importante da Frelimo, do MPLA e do PAIGC foi o gesto do papa Paulo VI ao receber no Vaticano Marcelino, Neto e Cabral.
No plano político e militar, a luta armada de libertação nacional progride rapidamente, a Frelimo alcança vitórias significativas e avança do Norte para o Sul. Apesar dos crimes cometidos pelos colonialistas – o assassinato de Eduardo Mondlane, em 1969, os bombardeamentos de populações com napalm, os massacres (como o de Wiriyamu, em Tete, em finais de 1972, denunciado por missionários católicos na imprensa internacional) –; apesar das gigantescas operações militares (como a «Nó Górdio», em 1970, chefiada pelo general Kaúlza de Arriaga); apesar da repressão a cargo da PIDE/DGS (as prisões e torturas de patriotas, a expulsão de padres progressistas, a perseguição a escritores, artistas e estudantes), o exército colonial português foi derrotado.
Em resultado da convergência das lutas do povo português contra o fascismo, que a partir do início da guerra colonial abriu uma nova frente de luta, e dos povos moçambicano, angolano, guineense, cabo-verdiano e santomense contra o colonialismo, eclodiu, em 25 de Abril de 1974, o levantamento militar do Movimento das Forças armadas (MFA) imediatamente seguido de um levantamento popular com o desenvolvimento de um forte fluxo revolucionário que conduziu ao derrubamento do regime fascista e à instauração da liberdade e da democracia. E, não obstante a oposição de sectores ligados ao colonialismo, em breve Portugal de Abril reconheceu o direito à independência dos povos das colónias africanas, incluindo a Guiné-Bissau que já havia declarado, de facto, a sua independência em Setembro de 1973.
Após a assinatura, em Lusaka, a 7 de Setembro de 1974, de um acordo entre a Frelimo e as autoridades portuguesas, e da criação de um governo provisório, durante 10 meses, a independência foi proclamada, em Moçambique, a 25 de Junho de 1975. Faz hoje precisamente 40 anos.
«Tínhamos inimigos
e amigos comuns»
Álvaro Cunhal considerava que «a amizade, fraternidade, solidariedade e cooperação combativa com os movimentos de libertação nacional das antigas colónias portuguesas inscrevem-se como princípios de ouro na história do Partido Comunista Português e do próprio povo português».
Em 1989, em entrevista ao jornal cabo-verdiano Tribuna, o então Secretário-geral do PCP afirmou que «a íntima associação da luta contra o colonialismo e contra o fascismo tornou possível a confluência de históricas vitórias comuns coroando a heróica luta dos nossos povos: a libertação do povo português da ditadura fascista e a conquista da independência pelos povos então submetidos ao jugo colonial português».
As relações de amizade e cooperação do PCP com a Frelimo, assim como com o PAIGC e o MPLA foram constantes e fraternais desde a criação destes movimentos de libertação. Nessas relações «se inscreveram os numerosos encontros, a ajuda recíproca e o estabelecimento de uma profunda confiança recíproca dos dirigentes do PCP com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel e outros dirigentes dos movimentos de libertação».
O dirigente comunista entendia que os inimigos do povo português eram os mesmos inimigos dos povos das colónias: «Tínhamos inimigos comuns e amigos comuns. Tínhamos objectivos de luta historicamente coincidentes. Nós, comunistas portugueses, infundíamos no povo português a amizade e a solidariedade para com os povos submetidos ao colonialismo português, apoiávamos aberta e activamente a sua luta armada, lutávamos pelo reconhecimento do seu direito à completa e imediata independência, lutávamos activamente contra as guerras coloniais conduzidas pela ditadura fascista».
Construindo o Estado
consolidando a nação
Nos países africanos onde o português foi adoptado como língua oficial, estas quatro décadas de liberdade (1975-2015) representam um avanço histórico inquestionável.
Em Moçambique, depois da independência, a governação da Frelimo, dirigida pelo presidente Samora Machel, lançou as bases da organização do novo Estado e do arranque da economia nacional, ao mesmo tempo que reforçava a unidade da jovem nação, «do Rovuma ao Maputo».
O país, terminada uma década de guerra, procurava libertar-se das estruturas da exploração colonial e adoptou uma via progressista de desenvolvimento. Contando com os próprios recursos e o apoio dos países socialistas, Moçambique estabeleceu como objectivos ultrapassar o atraso secular e, num acelerar da História, trilhar os caminhos rumo a uma sociedade sem exploração.
Num contexto internacional fortemente marcado pela Guerra Fria – caracterizada pela agressividade política, ideológica, económica e militar do bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, contra a comunidade socialista, encabeçada pela URSS –, o imperialismo não podia permitir que a jovem República escolhesse livremente o seu futuro. E, muito menos, que a Frelimo e os seus governos, corajosamente, apoiassem os patriotas sul-africanos (do ANC) e zimbabueanos (da ZANU e da ZAPU) nas lutas contra os regimes racistas de Pretória e Salisbúria.
Em breve, primeiro a Rodésia de Ian Smith e depois a África do Sul do apartheid criaram, armaram e financiaram bandos, que deram origem à Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) – também apoiada por círculos colonialistas e o imperialismo – e espalharam o terror em Moçambique, provocando uma cruel guerra civil (1976-1992) que vitimou centenas de milhares de pessoas, provocou milhões de refugiados e deslocados, destruiu infra-estruturas económicas e sociais, paralisou o país.
Em 1986, Machel morre num acidente de aviação, em território sul-africano, mantendo-se até hoje suspeitas de que o desastre foi da responsabilidade dos serviços secretos de Pretória, que, apesar do Acordo de Nkomati de 1984, nunca deixaram de apoiar os bandidos armados da Renamo.
Herói do povo moçambicano e de África, Samora Machel foi substituído por Joaquim Chissano.
Assinados em 1992, depois de longas negociações e com a mediação internacional, os Acordos de Roma, entre o governo, da Frelimo, e a Renamo, de Afonso Dhlakama, estabeleceram a paz e introduziram o multipartidarismo.
As primeiras eleições pluripartidárias tiveram lugar em 1994. Desde então, a Frelimo ganhou todas as eleições presidenciais e legislativas.
Nestes 20 anos de paz, sob a direcção dos presidentes Joaquim Chissano e Armando Guebuza – eleito em Outubro de 2014, Filipe Nyusi, tomou posse já este ano – Moçambique desenvolveu-se, apesar das dificuldades, dos problemas que persistem como as desigualdades sociais, a corrupção, a criminalidade.
O dinamismo económico e o desenvolvimento têm sido constantes. Combateu-se a pobreza. Melhoraram-se a saúde e a educação, construindo-se hospitais, escolas e universidades, formando-se novos técnicos. O analfabetismo diminuiu. Edificam-se habitações, estradas, pontes, barragens, a água e a electricidade chegam a milhões de pessoas. Reorganiza-se o território. A economia cresce a ritmo elevado. As pescas e a agricultura contribuem para a criação de emprego. O gás natural, o carvão e outros recursos minerais começam a ser explorados. Floresce a economia informal, do comércio aos transportes. O turismo ganha expressão. A Cultura – a literatura, a música, as artes plásticas – consolida a identidade moçambicana. O país diversifica relações diplomáticas e económicas.
Como tem repetido o presidente Filipe Nyusi, a preservação da paz e o reforço da unidade nacional são condições fundamentais para a continuação do desenvolvimento. E daí a importância do diálogo em curso entre o Governo e a oposição, em particular a Renamo, que aposta na instabilidade.
O balanço da independência é inequivocamente positivo e os moçambicanos orgulham-se dos enormes avanços registados nestes 40 anos. Têm confiança num presente cada vez melhor, têm esperança num futuro de paz e progresso para todos.
Portugal, pondo definitivamente fim a preconceitos e paternalismos que a política de direita nunca abandonou, deve empenhar-se no fortalecimento das relações de amizade e cooperação com o novo Moçambique livre e independente.